terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

"The Little Hunter", de Analua Zoé, inspira poetas.


Sou convidada a aprticipar de uma bela ciranda, onde a inspiração deve partir de uma tela , da Analua Zoé...

Interessante verificar o quanto mil poeta haja, mil modos de dizer as coisas...Por isso, menosprezo os covardes plagiadores:a criatividade é ilimitada e renovável, peculiar e bela.

Essa ciranda, está originalmente, em "ECOS DA POESIA"(coordenado por Victor Jerônimo e Mercedes Pordeus, a quem a artista cedeu a imagem, para esse fim.Eis os produtos poéticos e seus autores:


MENINO DE RUA

É preciso lutar,
É preciso ter garra,
É preciso viver!

E o pequeno herói
leva pra casa o produto
de seus esforços

Há irmãos, irmãs
e m~e doente
esperando por ele...

É preciso lutar
todos os dias,
semana à semana.
É preciso ter garra,
não temer o escuro da noite,
nem o sol do meio-dia.

A vida é presente de Deus,
o viver é sabedoria do homem.
É preciso viver !

Maria Luísa Amorim.




CRIANÇAS: UMA REALIDADE
De: Reinadi Rodrigues Sampaio (eu flor-caminho só).
Para a Tela: THE LITTLE HUNTER / ANALUA ZOÉ


Falar de crianças sorrindo?!!
Felizes?!! Amadas?!! Estruturadas?!!
Onde ficam nossas consciências?
Ao tentar camuflar a dor,
A vergonha, a lama, que envolvem estes seres
De sorrisos estampados nos lábios,
Num olhar triste, vago,
Quando se deparam com vitrines
De seus sonhos enfeitados?
De carrinhos manipulados
Na credibilidade dos seus desejos e anseios,
Que percorrem livres nos pensamentos
Caminhos sem obstáculos: o mundo das fantasias.
De bonecas ricas, bem vestidas,
De cabelos loiros, fartos.
De dentes perfeitos; sem caries.
De aviões que os levam de um ponto a outro
Dos seus universos imaginários,
Num vôo das ilusões... Das perfeições
Vôos que se tornam frustrante,
Pois ao aterrissarem, a realidade é outra:
Um mundo em desequilíbrio
De máquinas perfeitas, manipuladas por homens,
Que elas não escolheram e que as fazem, crianças excluídas.
No entanto, no contexto da dor,
Da fome, do frio,
Dos maltratos, da miséria,
As matem inseridas.
É muito fácil fechar os olhos da alma
E falar de crianças sorrindo,
Em casas com mesas fartas,
Acolhidas em camas limpas
Cercadas de amor dos pais
Irmão, “Tios” e “Padrinhos”,
Sem pensar nas nossas crianças,
Nas favelas das grandes cidades,
Envolvidas no trafico e trafego,
Das drogas nos viadutos, nas ruas,
Nos becos imundos dos baixos meretrícios
Onde não só as mães se “vendem”
Em troca de um pedaço de pão.
São mães “compradas” nas eleições,
Por um “vale gás”,
“Vale escola”,
“Vale medicação”,
“Vale cesta básica”,
“Vale transporte”,
Vale corrupção.
Vale submissão.
Vale escravidão...
Ó Crianças!!!
Crianças do mundo inteiro!!!
Crianças do meu País!!!
Busquem as vossas liberdades,
Naquilo que lhes é inato ou adquirido (se conseguirem):
Vossas sabedorias,
Vossos maiores legados,
Pois não existirá corrupção capaz
De submeter vossas consciências,
Ao submundo das ilusões...

Cruz das Almas, 23/11/2007.




POBRE MENINA !
Socorro Lima Dantas

Diante de do palco da vida
levantei as cortinas,
viajei pelo túnel do tempo,
desnudei a alma !
Revivi a minha menina-criança,
senti o sabor do tão marcado passado
da pureza,
da inocência,
das incertezas e interrogações.
eis a minha vida !?
O que fazia a minha criança naquele tempo ?
Por que eu me sentia tão desarrimada,
indecisa, melancólica e tão só,
no meio de uma estrada...
Diante da vida que estava a prosseguir ?
Ah, esta era a minha criança valente !
Seguia diante do desconhecido,
descobrindo rios e uma floresta quase encantada,
onde só distinguia o céu azul, e a vontade de avançar...
Pés descalços, roupa amassada, olhar cabisbaixo,
fui caminhando em meu sonho infantil...
Acordei, com a respiração ofegante,
tudo não passou de um sonho de criança,
que carregava as incertezas e o medo do amanhã,
diante do palco da vida que estava a surgir !

Pobre menina !

Recife/PE
22/11/2007




MENINO PINTADO A ÓLEO
Luiz Poeta
Luiz Gilberto de Barros
Às 23 h e 1 min do dia 23 de novembro de 2007 do Rio de Janeiro,
especialmente para " As letras da Pintura "do Grupo Ecos da Poesia "



Não sigas os teus olhos, menininho...
Com eles só enxergas solidão,
Miséria, fome e medo no caminho
Que pisas, distraindo o coração.

Cresceste, menininho... em tristezas,
Em mágoas, sofrimentos, amargura,
Teu mundo é repleto de incertezas,
Mas teu olhar é feito de ternura.

Tantos meninos dormem numa tela
Pintada em tinta a óleo ou aquarela,
Mas suas formas ganham movimento,

Quando, dentro da tinta colorida
Os olhos de um menino ganham vida
Quando há em quem os olha... sentimento.





DIAMANTE SOLITÁRIO

Na poeira da estrada se vai o poema,
na poeira da estrada vai o menino,
diamante solitário,
moribundo esquecido do mundo.

Discorre o poeta mergulhado em tristeza,
duas aves em suas mãos,
serão levadas a sua mesa,
mas não há mesa, nem cenário,
não há comentário,
somente um céu que não é azul
e o diamante solitário
como que absorto em sua própria tristeza,
sem as malícias cotidianas, nem as manobras mundanas,
ecoa seu pranto calado, por entre as brumas
da solidão.

Diamante solitário,
sem pecado, nem perdão, a pátria o renegou,
aos caminhos da solidão,
e seu olhar de tristeza, ainda espera
e esperança, na escola, na cidade, nas vitrines
onde brilham os diamantes e outras variantes.

Paulo Cézar Santos Melo – poeta.

Brasileiro, Baiano de Cipó-Bahia, autor dos Livros de Poesia: UM POUCO DE TUDO(1998), IMPRESSÕES DIGITAIS (A Publicar), ESTALOS NO SILÊNCIO (A Publicar)

(dedicado a " The Little Hunter" de Analua Zoé, no cenário As Letras da Pintura Nº 2 do Grupo Ecos da Poesia)




Inocente Caçador


O que indagas, meu menino, com este ar de compaixão?
És ingênuo, nada sabes, eu te contarei, embora, em vão.
És órfão de mãe viva...cujo nome é Vergonha, irmã da Decepção
Ela te largou ao abandono, assim, sem nenhuma explicação..
Foi-se ao encontro do teu pai, chamado Desamor, irmão da Incompreensão

Desta família, descendes, portanto, sem solução.
Enderêço, não tens...estás em todos lugares...
Como a Omnipresença Divina, pedindo por atenção
Se possível fosse, Ele te levaria, para a eterna mansão...
Mas deve ter um propósito, pois sabe de tua consternação.
Refletes, aos olhos do mundo, o resultado da ganância, do egoísmo,
tua imagem nos induz à profunda reflexão

Tenho a dizer, que possues um sem número de irmãos
Nascidos dos mesmos pais, com a mesma tradição
Crianças que em nosso mundo
Sofrem, como você, o crime de ter nascido
Pena tão dura... e sem redução
Meu amado menino,
Deixe que eu te diga
Por pior que seja, prossiga ...
Breve encontrarás o caminho que o levará ao paraíso
E lá encontrarás o carinho, o amor e a alegria, a te esperar com um sorriso
Dizendo ...seja bem- vindo, ....filho do Desamor !

Maria Luiza Bonini
São Paulo - SP - Brasil




Poema

caem
as palavras precisas do poema
perante a tela
e muda, muda, muda
é a cor do sonho.
perco as palavras
na tristeza inscrita
no anel dos olhos
que teu silêncio grita.
meu menino
de gesto puro
de fresca desventura
que mata caça
caça mata no bosque dos medos
onde o céu caíu
sem advinhar o teu nome.
meu menino
mata caça
caça mata na sílava visível da fome.

Ísis ( Teresa Gonçalves)






DOCE VIVER
Neida Wobeto


Busco a pureza perdida
na estrada do viver.
Quero a beleza da alma pura
e só percebo a solidão do Ser Humano.
Nossos sonhos
perderam-se na curva do sonhar.
Perdi a inocência
e procuro-a no meu semelhante
e só encontro a necessidade
do devir humano
que quer apenas voltar ao SER.





PEQUENO CORAÇÃO CAÇADOR



Na face miúda e sofrida
um olhar de esperança,
trilhando as estradas da vida
caminha um coração de criança.

Tão frágil e inocente,
de pés descalços sobre o chão,
segue em busca de um futuro decente
e procura a paz para sua Nação.

Pequenino e mal tratado,
vai caminhando o pequeno caçador,
com o seu corpinho despojado
exposto à fome e à dor.

No peito, as marcas da dor
machucam seu pequenino coração,
que sente fome de amor
e luta por um pedaço de pão!

Socorrinha Castro ( Florzinha )
JP - PB - Brasil




O PEQUENO CAÇADOR
Efigênia Coutinho

A vida não é completamente boa, nem
completamente má! Há um moleque que
todos os dias vai caçar para sua fome matar!
Ah! Deus proclama para anjos entoarem!

Seus olhos em pranto na mão gelada
carrega seu trunfo, querendo dar adeus
ao mundo da dor que lhe prende a vida!
Numa tímida oração, suplica por Deus!

Ó Deus Cristão, triste e cruel verdade,
acolhei está imagem de piedade...
Aquele olhar tremendo, fitando o Futurecer!

Não perscruteis o caçador se o seu dever
a mando foi cumprido. Na tela pintada por
Analua Zoé tentei compor, também eu,o meu dever.

Novembro 2007

Poema para o evento
" As Letras da Pintura", N-2





MENINO CAÇADOR
Paulo Gondim
25/11/2007

Corre o tempo, corre o vento
Corre a nuvem, corre o mar
Corre o menino no mato
Corre o menino a caçar

A vida parece ingrata
Corre o menino da fome
Corre o menino na mata
No medo que lhe consome

Na duvidosa corrida
Tanto corre, como indaga
Por que tanta diferença
Tanta guerra, tanta praga?

E o tempo do menino
Já não passa devagar
Tão cedo se atira ao mundo
Pois é preciso caçar

E o menino caçador
Só tem tempo pra caçar
Não tem sonho, não tem vida
Nem sequer pode brincar...





Humanizar...


Oh! Olhares que vida da Natureza cega
Com ciscos da incompreensão enegrecida
Despida pelo sol que a inverdade agrega
Crueldade nas retinas da alma infanticida.

Algozes dos viveres que a pena segrega
Fileiras esquálidas da miséria combalida
Do ser dito famulento que a dor prega
As modorras inglórias. Bradarei a vida!

Que a aurora faculta mortificar noite dia
Cegos que se escondem enganando porvir
Das luzes agregadas nas hastes da Poesia.

Haveres computando versos tende argüir
Aos esconsos que hibernam na desarmonia
Refloresça amor!Senso de a aura ressurgir.

Deth Haak
“A Poetisa dos Ventos”

Deth Haak
Cônsul Poeta Del Mundo – RN
SPVA-RN
AVSPE
UNEGRO





Menino Bonito


Menino Bonito que está ferido
Rosto doído de sonho perdido
Teu ar de sombra não vê o sol
Anda só, de mãos sem paiol.

O rosto cansado, velho, surrado,
Marcado de dor e de atroz descaso
Vazio vaso, pé descalço, de aço,
Pisa o cansaço, lambe o mormaço.

Da tarde vermelha de chão,
Sem abraço, sem nexo só leva inchaço.
descompasso de pão, feijão e nação;
Não tem surrão, tem muita precisão.

Ah! Menino Bonito, em formação.
Perdoa o pelotão de ouro frio.
De vazio coração, olhar tão oco.
Pouco lhe estende a mão no aniversário.

Menino dessa estrada poeirenta
Violenta; sua vestimenta é dor.
Clamor, de tristeza o suor degusta.
E o nada, o sal, pede apenas amor.

Menino, belo Menino Bonito.
Faço desse escrito, alerta, o meu grito.
E te felicito a coragem e a vida
dormida na esperança de mudança.

Marlene Vieira Aragão

www.marlenevieiraaragao.prosaeverso.net

mvieiraa@ig.com.br

mvieiraa@marlenevieiraaragao.prosaeverso.com.br






DESALENTO ...
Nídia Vargas Potsch

“Tô cansadu!”
“Mas tem que andá mais légua e meia”.
“Meus pé tão dueno, tô cum fome!”

Assim vai o pequeno menino caçador,
cansado da lida, da mesmice,
com desânimo nos olhos,
que suplica por piedade, socorro,
mas ninguém acode ...
O que sabe ou entende ele da vida?
Segue o rumo traçado carregando a poeira
de mil anos, pés doloridos, feridos, desalentado ...
Uma criança que amadureceu sem crescer,
com bolhas nas mãos, calo nos pés,
bolhas, calos e poeira vermelha na alma infantil ...
Sacrifícios lhe são impostos
e ele os cumpre sem indagar o porquê.
Sabe apenas que têm que fazê-lo,
pelos outros da família e por ele próprio ...
Um pequeno caçador valente, guerreiro!
E se lhe perguntam o nome, logo diz:

“Quem? Sei não sinhô” ...
“Meu nome? Menino!”
“Me chamam de Menino!”
“To levanu pro mode da gente cumê” ...

Rio, 25/11/2007

www.ebooks.avbl.com.br/biblioteca2/nidiavargaspotsch.htm





A Estrada da Miséria
(Janieth Costa Monteiro)


No fundo o azul
Misturado ao verde da mata
Ao vermelho da Terra
Cheia de Pó
E, também, de dó

Por Deus,
Tenho certeza,
Que essa pintura
Quizera ser de outra forma
Sem o pó
E sem o escuro da dó.

O amargo
Num rosto de menino
De corpo criança
Coração de um anjo
Que tem a esperança
De saciar quem tem fome.

Se nessa mistura do artista
Tivesse mais cores e brilhos
Pra iluminar essa estrada
Pra esse menino
Que ta coberto de pó
E, também, de dó.

Pra esse menino
Cheio de força
Que pensa na mãe
A espera do alimento
Arrastado pelas mãos
Pra colocar na boca
De seus outros irmãos


Mesmo que esse menino,
Cheio de força
Encontrada na fome
E na miséria,
Não importe com a estraa
Que é coberta de pó
E, também, de dó.

Mas esse menino acredita
Que, um dia,
Essa mesma estrada vai virar
E levá-lo,
Junto com sua família,
Pra um outro lugar
Onde não exista
Esse pó
E nem essa dó.




O PEQUENO CAÇADOR
Adelina Velho da Palma


És tão pequenino
Criança é assim
Mas ficas estranho
Nesse teu tamanho
Caçador mirim!...

És tão pequenino
rude querubim
Mesmo emancipado
Sujo e esfarrapado
Olhas para mim…

És tão pequenino
Mas já sabes tudo
O que é importante
E com desplante
Vejo e não te acudo...

És tão pequenino
Mas caças sem medo
Fazendo-te à vida
E eu foragida
Passo e não sucedo…

És tão pequenino
Mas manténs-te firme
Pronto a atacar
E sem me tocar
Consegues ferir-me…

És tão pequenino
De saber medonho
Vences o perigo
Mas teu inimigo
É teu próprio sonho….

És tão pequenino
Mas és bem maior
Que o mundo onde existes
E em teus olhos tristes
Lê-se um vencedor




SEXTILHAS DA SOBREVIVÊNCIA


No seco caminho de terra
Só o triste e maltrapilho menino é molhado
Pois a fome e a desolação entraram na cratera
E o futuro do crescimento permanece ilhado
Na esperança da caça na primavera
Ou na proteção quente de um forte telhado

Pega menino, teu alimento
Que caiu do céu como chuva passageira
Quem sabe, crescendo, teu pagamento
Será encontrar comida na lixeira
Ou talvez, com sorte e maior fundamento
Possa sair desta triste ribanceira
Que tu insistes em sobreviver.

Alma Collins




O presente


Crianças que cedo precisam
contribuir, prover o lar,às vezes sem teto, pelas estadas,
ás vezes quase nuas, coitadas,
expostas a calor e chuva,
brincam talvez de adultos...
Mas ser grande requer tanta luta,
e as armas das crianças são apenas
fantasias de ser, estar,conseguir...

Certo dia, vi um sorrido maroto, orgulhoso e cansado também
de um menininho, ao entregar à mãe
duas galináceas
surrupiadas de algum quintal:
-"Olha mãe, para a canja do seu resguardo".
A mãe, barriga em plenilúneo, sob esfarrapado avental,
de cócoras no canto do casebre,
desndou a chorar...

Clevane Pessoa de Araújo lopes
Novembro de 2007






CRIANÇA SEM MUNDO
© Ferdinando

Dias de angústia urzes na escuridão,
palco onde as crianças
desnudadas caminham pelas ruas
sem casa, sem pais, e sem amor.
Paredes tingidas de rubro!...
Sangue inocente que corre na berma.

Filhos do nada e de ninguém
na incoerente prole incendiada...
como o ritmo do mar entre os rochedos
falando ás gaivotas do sol que não nasce...

E as estrelas que correm no asfalto frio
nas manhãs incompletas de sonhos,
terão amanhã a fogueira aliciante da verdade
nas primícias gritantes, de um sol ridente

Germany 26-11-07






NOBRE CRIANÇA POBRE


Acredita mais na vida
carregando sonhos na mão
nesta quase sobrevida
seu sonho é o seu pão

Sonhos de criança
estes não conhece
nasce sem esperança
e sem sonhar cresce

Vive de migalhas
e ainda consegue sorrir
desconhece as muralhas
que lhe nega um melhor existir

Sua felicidade tem o seu tamanho
e porque não sonha, nada cobra
sua vitória é garantir o pão ganho
se dá por feliz com o que lhe sobra

Pobre criança pobre
maltrapilho de pés descalço
ainda que nada mais lhe sobre
tem a força para viver num mundo falso

Célia Jardim




A solidão anda me escravizando
me assustando
muitas vezes me deixando a beira do abismo
do silencio ensurdecedor
que me arrasta como molambo
pelo vale de lágrimas cristalizadas.
Onde estás, mãe?
Que te abraço e não te alcanço?


Regina Mello nov.2007




FILHO DA TERRA BRUTA
Sueli do Espírito Santo


Caminha com os pés descalços
a sua caça pesando nos braços
todos os dias nessa mesma luta
para garantir a sua subsistência
já nem sabe o que é inocência
pois que é o filho da terra bruta

Sem um sorriso, sem brincadeira
precisa viver de qualquer maneira
sem sorte... trilha a rota do perigo
sozinho... sem um anjo protetor
nem sonha um futuro promissor
em um mundo que não há abrigo.

http://www.sue2001.recantodasletras.com.br







Valente caçador!!
rebeca pilenghy pereira

Vê-se na tela dura realidade
Tão bela exposta com suas cores
Nos faz sentir a triste realidade
De nosso Brasil e seus horrores...

Segue a estrada um nobre pequenino
Que desde cedo já está na luta
Tão responsável valente menino
Tem passos curtos de tanta labuta!

Os pés descalços machucados vão
Em caminho íngreme na terra vermelha
Dar alimento aos que em casa estão
Carregando os patos em mãos parelhas!

O caçador enfrenta o sol ardido
Pele morena e cabelo ao vento
Coração forte e destemido
E no olhar um triste lamento...

Que pensa ele desse seu viver?
Com outras bocas a alimentar!
Ou esse tempo que o faz sofrer,
A fonte de sonhos se fez calar?

Quantos meninos como este hão,
A percorrer destemida jornada...
Há injustiças em nossa nação
E os governantes não fazem nada!

O coração não segura a dor
Quando a imagem o grito transcende
Quem neste mundo fará com tanto amor
Este menino sorrir de contente?

Não só nos lábios mas no coração
Tão destemido, valente e maltratado,
Dar a família a sustentação,
E ter a mesa o alimento sagrado...

O dia-a-dia envolto de breus
Que lhe garantam tranqüila morada
Amar a vida e em pensamentos seus
A fonte dos sonhos ser renovada!!!




Pequenino Hunter!
isabel Sprenger Ribas.


O que se faz, menino,
para que a curvatura de seus lábios
tenha um formato de sorriso?
O que se faz para que o ermo em que habita,
nesta distância, nesta desdita,
retire do céu um pouco de cor
e compense o seu olhar?
Envelhecido olhar, com o amor
que os Homens de uma sociedade
não lhe podem dar...
O que se faz, quase criança,
para que as aves que leva na mão
tornem-se vivas... E com elas possa brincar,
correr... E possa viver,
pequenino Hunter?
Sem ter jamais que sofrer pela mãe inválida,
pelo irmão moribundo, pelo pai alcoolizado?
Por tudo que toca tão fundo as suas andanças
e faz destes seus passos, neste pesinho cansado,
a própria incerteza de um caminhar?
Que se faz?

Dedicado à pintura de "The Little Hunter" de Analua Zoé.



A Estrada da Fome.
(Sávio Assad)


Estrada longa que marca meus pés
Eu andarilho sem destino e família
Sofro com a fome roendo meu estomago
E a consumir minhas carnes.

Carrego no meu pensamento triste,
Minha experiência de vida amarga
Como fel a destruir minha infância,
Já tão perdida, como esta estrada.

Recolho migalhas ao longo, para matar
Minha fome e já caminho sem forças.
Nas mãos calejadas pelo curso
Ainda consigo a caça e a sobrevivência.

Estrada que não tem fim.
Encontre um desvio e me desvia o pensamento
Amargurado do novo amanhecer, veste meus pés
De relva e borda um sorriso em meus lábios divino.

Niterói - RJ - 26/11/2007

O presente



O presente


Crianças que cedo precisam
contribuir, prover o lar,
às vezes sem teto, pelas estadas,
às vezes quase nuas, coitadas,
expostas a calor e chuva,
brincam talvez de adultos...
Mas ser grande requer tanta luta,
e as armas das crianças são apenas
fantasias de ser, estar,conseguir...

Certo dia, vi um sorrido maroto,
orgulhoso e cansado também
de um menininho, ao entregar à mãe
duas galináceas
surrupiadas de algum quintal:
-"Olha mãe, para a canja do seu resguardo".
A mãe, barriga em plenilúneo, sob esfarrapado avental,
de cócoras no canto do casebre,
desandou a chorar...

Clevane Pessoa de Araújo lopes
Novembro de 2007

(Faz parte da ciranda cuja inspiração é um quadro de Analua Zoé :http://ecosdapoesia.net/letras/analua_zoe/bloco2.htm)

Luiz Lyrio comenta Mulheres de Sal, Água e Afins.



AS MULHERES DE CLEVANE



Como contista, Clevane Pessoa cria, encanta, excita e extasia, Ela nos proporciona uma ficção que nunca dantes navegamos e que é enriquecida por uma língua brasileira manejada de uma forma delicadamente dura que se mescla com uma feminilidade que parece ser privilégio exclusivo da autora.

Mulheres de sal, água e afins nos faz viajar do belo e sensual inspirado por uma nuca feminina (Ah, como nos excita uma nuca de mulher! Especialmente, quando ela se vira e seu rosto não nos decepciona...) ao trágico da violência contra a mulher, tão primitivamente comum e deprimente na sociedade contemporânea.

No seu livro, Clevane nos mostra a alma feminina sob vários ângulos, nos presenteando com uma sensação de extrema sensualidade contida até nos gomos de uma pokâ, essa fruta que, até há pouco tempo, eu só associava aos ataques cruéis em que espremia o sumo da sua casca nos olhos dos coleguinhas ou às guerras onde atirava as cascas em meus oponentes. Confesso que, em minhas brincadeiras de adolescente, nunca imaginei que uma pokâ... Bem, mas este é só um atributo com o qual a escritora encanta e seduz os leitores e leitoras de Mulheres de sal, água e afins. Romântica, possuidora da imaginação fértil que deve ter todo grande contista, Pessoa viaja maravilhosamente bem tanto na mais pura fantasia, quanto na realidade nua e crua dos contos que retratam realidades do nosso cotidiano.

Ler as mulheres de Clevane contracenando com seus coadjuvantes masculinos é mais que uma oportunidade de entender e respeitar com mais profundidade esse seres femininos considerados por muitos, (inclusive por este que vos fala) ininteligíveis (certamente, por serem muito mais inteligentes que nós, homens). Ler este livro é um privilégio, já que ele decodifica o mapa do caminho que leva ao paraíso, lugar ao qual os homens só chegam, quando decifram, alcançam e conseguem caminhar ao lado de uma dessa maravilhosas mulheres de sal, água e afins que habitam o planeta Terra e suas superiores imediações.



Luiz Lyrio – Belo Horizonte, 26 de maio de 2007.

Portas, Porteira, Portais, aldravas...Aos aldravistas de Mariana ,MG-Clevane



Porta Nova em Casa Velha

Clevane Pessoa de Araújo Lopes


para JB Donadon-Leal,
que coloca gênero novo em poiesis antiga: portas, portais, porteiras...


na madrugada de 15/09/2007
(Do novo livro em construção, Portas, Portais e Porteiras)



Porta & Aldrava
(Para Gabriel Bicalho, diretor do jornal Aldrava, que sabe bater à porta da Poiesis)

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

A Aldrava crava sons cravos na espess ura da porta.
Sons agudos, sons c avos na tessit ura da aorta
-a veia maior, a que acompanha a sonância
da sístole
da diástole
e mesmo da extra-sístole
-aquela a mais.
Ansiedade
de
desconhecer quem virá
atender
e

de que forma será tratado, destratado, esperado
ou expulso - seja anjo ou demo
pura demonstração
de que, monstro ou puto de igreja
nem sempre, por detrás da porta
esterá aquela pessoa que se deseja.

A porta é uma aorta
que conduz o medo do degredo
e a esperança sem limitações.

A aldrava é uma vaga espécie de sino
com muitas formas diversas.

Há quem bata de qualquer maneira.
Há quem tenha aprendido a bater
e acalmar a ansiedade.

E alguns sabem quando ir embora,
sem demora,
por pura precaução.
E muitos, fogem em diparada
por medo de assombração.

A aldrava, impávida, estática,
somente entra em ação
se a toca qualquer mão...

Enfrenta o tempo impassível
e não decodificável.

E per/dura, dura guardiã,
século após século.
na madrugada de 15/09/2007
(Da série, Portas e Portais)



Portas e Portais
(Para Déia Leal- Andréia Donadon Leal-cujos olhos de pintar e as mãos de vi/ver, sabem das diferenças)

Clevane Pessoa de Araújo Lopes


Nunca se sabe o há que atrás de uma porta,
se um príncipe encantado, se a Moura Torta,
se a vida continua ou se a Morte já entrou.
A expectativa faz o coração galopar,
corcel de ventania, salamandra de fogo,
-ser bem ou mal recebidos, que importa
se todos os dias, a soleira não se lava,
mas se for lavada, a mesma entrada será?
Atrás da porta, uma mesa posta, uma mala feita,
o falso carinho, a afeição genuína...
Bater, campainha ou aldrava,
com os nós dos dedos,avisar
da chegada, no momento preciso.
Chegar e abrir, um ato de coragem
desapercebido e necessário,
no cotidiano dos vivos, sinais...

Aos que partem para a outra dimensão, portais...

em 15/09/2007, Madrugada (1:45h)

As Pedras e Eu



Clevane Pessoa de Araújo Lopes

As Pedras e eu

Toda a minha vida interessei-me por essas formações da natureza e o que inspiram, desde os seixos rolados às pedras ditas preciosas, essas mais pela beleza gestada dentro da terra, que pelo valor.Quando eu estava em Belém do Pará, ficava louca pelos geodis:parte-se uma pedra feiosa e lá dentro estão drusas, de cristais a a......As ágatas, que formam no cerne ondas de cores degradées, as fatiadas sendo usadas em artesanato como porta-copos ou sinos de vento...A dignidade da pedra total, ali fragmentada...Às vezes, eu ficava procurando,em alguma loja dessas que nessa capital do Norte brasileiro, porta de entrada para a Amazônia, num monte de metades, onde estaria o parte que faltava-como as pessoas sempre a procurar seu outro lado.Uma vez, encontrei:aproximei duas partes que se encaixaram perfeitamente, fato raro, como as ditas almas gêmeas que se buscam através dos tempos...

Estudei, no início da adolescência, em Itajubá, cidade do sul de Minas-que mais tarde seria chamada de Tecnópolis, por causa de seu grande avanço em tecnologia.Ita em língua indígena significa Pedra.Então,” pedra amarela”.Mas havendo uma versão outra, “água que escorre da pedra”, a garota(não eu) que desfilou em carro aberto no aniversário da cidade, estava envolta em muitas camadas de azul papel celofane para simbolizar as ditas águas.Evidentemente, ela sendo a pedra e os rapazes da cidade a soltar o fio do imaginário sobre esse corpo semi-revelado.Eram os anos sessenta e a cidade, pequena,então.

Em meu consultório, tenho várias pedras trazidas por pacientes que conhecem-me o gosto.Um garoto, o Breno,muito lindo e inteligente, trouxe-me uma pedra que mergulhou para achar ,no fundo da represa de Três Marias, onde os pais têm uma casa para as férias.A mãe deu-se ao trabalho de envernizá-la.Gosto de sopesá-la no côncavo da mão.Tem poderosa energia.Vê-se que foi muito rolada, como as pessoas a quem a vida nada poupa.Dizem os místicos que se você encontra uma pedra de rio naturalmente furada, ela é curativa.Em casa, deve ser colocada em copo virgem , com água mineral ou de fonte.Pelo menos que seja filtrada.Se deixada ao luar, mais potencializada para a cura, fica.Bebe-se a água para sarar as mazelas do corpo...

Marlene trouxe-me quartzos rosas, brutos, que achou perto de uma arvora, Eli, em Belém, que á uma nativa e curandeira nata, desenhista refinada, comprou numa exposição, pedras acinzentadas, achatadas e lisas, que teriam vindo de outro planeta.Poderosas...

Onde vou, cato uma .Desde que existiam,pois na selva de asfalto das capitais é impossível.

Quando me casei, meu marido, que é fechado para revelar sentimentos não hostis e que estava amando e curando antigas feridas emocionais, ouviu, perplexo, meu pedido de que trouxesse uma pedrinhas cortadas em cubos irregulares, para que eu nelas pintasse casinhas cheias de detalhe e vida:janelas com panelas a secar, jardineiras com jardins e pássaros, borboletas, pessoas à porta. Morando na capital de Minas, Belo Horizonte, eu reparara que nas ruas, havia muitas, usadas em calçamentos de calçadas para formar desenhos-as escuras se alternado às claras-soltas pelo tempo ou descaso do bicho homem...”-Mas como(eu, um engenheiro, deve ter pensado sem externar) vou CATAR pedras na rua?!

Mas à tarde, chegou sorridente, cheio de pedras no bolso.A maneira de declarar seu amor que tantas vezes tive de decodificar,tal a sua dificuldade de falar de amor.No início, mas acabou contaminado pelo meu mel da minha Poesia...

Quando estamos a nos queixar de vicissitudes,minha irmã Cleone fala:”Não é possível!Você não chegou pedras na cruz”Reza a tradição que o nazareno, já crucificado foi apedrejado, logo ele que exortou aos que queriam punir Maria Madalena lapidando-a por ser uma etária e ter consolado, com seu corpo,a tantos daqueles homens :”Aquele que nunca pecou, que atire a primeira pedra”...Há uma música popular brasileira que tem estes versos:

”Que atire a primeira pedra,ai, ai

Aquele que não sofreu por amor”(...)

Teme-se as pedradas, sempre.Diz-se que muitos apedrejam sem perceber que também têm telhado de vidro.Há pedras,que não o são:feitas de argila expandida, usadas em decoração...as criadas nos antigos filmes de catástrofes, para rolar de despenhadeiros ou de construções ruino, comoVictor Mature sendo Sansão e segurando o templo que se desmanchava...

O rei David que foi poeta e amante do belo-inclusive mulheres-conquistou seu lugar de rei , na tribo que teve o seu nome, cumprindo as profecias,usando uma funda para atacar ao gigante Golias com uma certeira pedra que o nocateou.Era a época em que na Terra jovem , ainda havia gigantes, para construir aquelas enormes edificações , decerto-e aparecendo na Mitologia de muitos povos...

O que nos incomoda é uma pedra-no-sapato.Uma pedrinha que seja,nos fere a pele sensível dos pés.E nos faz mancar.Para continuar,há que se ter iniciativa ou coragem:é preciso abaixar-se, tirar o calçante e se livrar até do mínimo grão de areia que nos incomoda...

A um casal que se cobrava falta de atenção mútua, entreguei,num saquinho de veludo, para ele, um quartzo rosa, para simbolizar a esposa.Para ela, uma ágata azul,para ela lembrar-se do esposo.Ambos profissionais ocupados, mesmo se amando, às vezes esqueciam de se falar, e trabalhavamem cidades diferentes durante a semana útil.Daí, passaram a, toda vez que tocavam a pedra-deviam carregá-la sempre, não bolso ou na bolsa, ligar para o outro,ou quando a saudade apertasse.Época de telefonia celular, entãopassaram a dar-se “toquinhos” ou mensagens, mesmo não podendo conversar:”eu estou aqui e pensoem ti”, era o recado para o coração.A irritabilidade desenvolvida num momento de carência e crise, foi-se...Muitas vezes,no consultório, uso desses métodos pouco ortodoxos...

Certa feita, encontrei em uma praia, uma pedra na areia escaldante de meu Estadonatal, em NATAL, a chamada Terra do Sol,que tinha o formato perfeito de um coração.Eu estava voltando às origens, já adulto jovem e levando meu filho mais velho Alessandro que foi carregado até pela idosa D.Donzinha, uma parteira que ajudou a natureza adolescente de minha mãe a dar-me à luz.Tinha o coração mais que partido, recentemente separada do poeta de olhos violeta que por sofrer seqüelas da Ditadura, não dava conta de ser feliz de verdade.Achar a pedra foi para mim uma sinalização do Alto:um coração refeito, rígido como uma pedra, proibido de novamente fragmentar-se.E assim foi...

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Um Tiro na Noite


Ilha de Fernando de Noronha-Rememórias (I)


Um Tiro na Noite

Havíamos chegado à Ilha de Fernando de Noronha com uma carga adicional;as gêmeas Cleomar e Cleoneide , adotadas por meus pais. Antes, já éramos três crianças: eu aos cinco anos, minha mana com três e meu primeiro irmão homem, com um ano e meses. Para minha mãe jovem e traquinas, a ilha era o sonho tornado real. Amanhecia de maiô e somente voltava à casa, na hora do almoço, conosco corados e alegres, as mãos cheias de conchas ,para cozinhar. Lembro-me dos sargentos gritando “Peixeeee” e deixando à porta de nossa casa, bicudos e outros frutos do mar.
Nossa casa ficava do lado da rua onde papai trabalhava como telegrafista, em frente à Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Ao lado desta, moravam o médico e sua esposa.
Mamãe fora levada a visitar as masmorras, onde presos políticos ficavam. Celas nuas e úmidas, mas que muito a assustaram. Quando papai brincou e a trancou por fora, por um minuto, desmaiou.
Depois, assustava-se à toa, pois o barulho das águas contra as rochas de origem vulcânica, associado ao vento forte, às vezes provocava sons similares a gemidos. Os nativos disseram-lhe que eram as almas dos ali sofreram. O calçamento havia sido todo feito pelos prisioneiros, contavam. Hipersensível, eu pisava devagar, como se pudesse machucar as mãos que um dia ali labutaram. Amarrados diziam-me.
Mal podia imaginar. De lado, o deslumbramento da beleza paradisíaca, os piqueniques sob as pedras , as trilhas atrás de casa, onde íamos procurar figos suculentos, minha primeira comunhão, fazendo-nos ir de avião da Catalina a Recife, para as provas da costureira, e para a busca dos apetrechos: luvinhas de organdi com pérolas nos punhos, um missalzinho de madrepérola falsa, penso, o tercinho de prata, a grinalda de noivinha e o véu. O vestido gastara metros e metros de organdi, rendinhas fitas e cachinhos de muguet.

Eu comecei a ler muito cedo e então , podia decorar todo o catecismo, que trazia na ponta da língua: ”Há um só Deus em três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo” ..Este representado pela linda pombinha branca ...Deveria contrita, contar meus pecados ao padre:” Pai perdoai-me porque pequei, por pensamentos , palavras e obras”...Uma criancinha...Bem eu havia pedido a meu avô um boneca vestido de menino, com bonezinho e tudo. Minha mana Cleone, ganhou sua contrapartida: a bonequinha de rodado vestido. Vovó ficou zangada, porque o marido me atendera .”Meninas não brincam com meninos”, sentenciara. Não obstante mamãe costurar um vestido para meu moleque e trocarmos seu nome, lá no fundo, eu ficara muito chateada. Estaria pecando? Teria pecado porque brinquei com o garotinho? Não, os brinquedos da época não mostravam os genitais. Não havia aula de educação sexual. Tomavamos banho de calcinhas , se meu maninho estava junto, com seus calções .Depois que ele era retirado, alguém voltava para lavarmos entre as pernas. Não podíamos dizer palavrões. Meu pai, se ia xingar, dobrava o indicador e ...esbravejava “para dentro”. Não conseguíamos entender nada.

Uma vez, mamãe ouviu um barulho estranho. A luz se apagara numa tempestade. Ela passava , vela na mão, paras clarear a sala. O som estrondoso a fez dar um grito horripilante. E desmaiar. Eram os livros de uma prateleira pendurada precariamente (ali, não havia lugar para luxos),que havia desabado .

Lembro ainda de um militar que queria um filho homem e a mulher, com algumas bonequinhas de carne, esperava que da barriga diferente das outras vezes, chegasse o herdeiro. Nos Anos 50, não havia ultrassonografia. Contaram que quando nasceu outra filha, em Recife (usávamos o avião semanal para ir lá sempre que era necessário) ele abandonou o recinto. Bebeu dias, foi encontrado na linha do trem , não sei se propositalmente ,para morrer, ou por excesso de álcool. Depois, reconciliaram-se .Como se um menino fosse herdar uma coroa real.
Havia o Sgt Camilo, magro e mais alto que papiai , a quem chamávamos de tio e que vinha com papai comer os acepipes feitos por mamãe. Cada criança tinha direito a um litro de leite, então nos chegavam cinco. Ela fazia muitos bolos e doces, talvez da minha cota, pois jamais suportei o gosto de leite puro. Na ilha, havia lagartixas imensas, que não sei quem havia levado para acabar com os mosquitos e moscas, contavam os ilhéus. Lá, desenvolveram-se e se multiplicaram muito. Pareciam lagartos.
Um dia havia um tacho de doce em bolhas, no fogão. Uma delas desprendeu-se do teto e tchibum , na piscina efervescente. Quando mamãe lamentou, ele disse: ”Pode guardar, Madame, que eu como...Esse doce é muito gostoso para se jogar fora...”.E ,todos os dias, chegava com meu pai, para comer “doce de lagartixa”, como o chamávamos. "Argh", dizíamos, fazendo caretas. E ele ria:” Mas o tio Camilo não tirou o bichinho?”...

Uma vez, ele foi a Recife e trouxe-me um vestido tão lindo, que até hoje, lembro-me perfeitamente dele : de fustão branco, todo festonado na barra com linha vermelha, e a cada dez centímetros, subia em pela saia, sendo que nesse trecho, havia uns furos também circundados de festoné., Nos furos, fita de cetim número 1 era trançada. E se fazia acompanhar por um bolerinho também todo bordado.
O capelão criava a sobrinha mocinha, de quinze anos, e o sargento, solteiro, pediu que mamãe bancasse o cupido. A declaração foi feita lá em casa, com ele abraçado ao violão , a cada frase, um acorde... E casaram-se. Todo mundo comentava que a sobrinha do padre se apaixonara pelo sargento.
Um dia ,acordei com sede e calor. Sonolenta, ouvia o fascinante bater das ondas fortes contra as pedras na praia mais próxima . Ia chamar meu socorro, noturno, papai, que sempre ouvia meu chamado, quando um estampido se fez ouvir. Terrível, na ilha deserta de pessoas acordadas, o grande silêncio insular noturno, que contrastava com o barulho do oceano, foi cortado por esse tiro espantoso e inesperado.
Claro, devem ter me escondido os motivos , mas talvez não os soubessem . A esposa do médico, de camisola, em frente à penteadeira, levara o revólver à cabeça (ou seria ao coração?) e matara-se .Lembro-me de tê-la achado muito bonita, à janela, quando passava vindo da escola.
Quando adolescente, fiz uma lista de possibilidades : a suicida não poderia ser mãe. O marido a traíra. Ela traíra ao marido e fora descoberta. Sofria de uma doença grave. Casara-se amando a outro e não suportara a saudade...Os mistérios , o passado da Ilha a assustavam tanto quanto assustavam mamãe, que no entanto, era bem resiliente e adorava a vida lá. Estaria louca...Seria acostumada a vida social bem intensa e não suportara ilha.. O marido seria ciumentíssimo...Odiava sua vida sexual( eu não sabia nada sobre isso, mas lia nas revistas, que ...) . Mas por que se mataria?
Lembro-me de haver escrito uma história ficcional a respeito, mas no final, ela era morta e não cometera auto-extermínio. Para mim , era inconcebível que alguém concebesse a morte para si mesma...
Talvez tenha sido a minha primeira lição das coisas irreversíveis. Do nunca mais. Por mais que eu olhasse para a janela de sua casa, de onde jamais a vira sair, qual minha mãe, sempre explorando ao máximo aquele excesso de beleza pura.
Nunca mais ela poderia ser estar à janela. Teria preparado tudo? Tomado um banho, lavado e perfumado todos sete os orifícios do corpo, quais as chinesa a antigas ao se preparar para o marido? Vestido a camisola , deixado um bilhete, uma carta para a família? Ou agira numa fração de segundo, impulsivamente?

O novo médico, cuidou das gêmeas e ficou lá em casa, com a esposa , para melhor acompanhar o caso clínico delas . Mas isso contarei a seguir...

Clevane Pessoa de Araújo Lopes, Belo Horizonte, Publicado originalmente em http://www.jornalecos.net/pessoa30.htm (03/12/2006), pela atenção especial de Vânia Diniz.

O impossível
é imprevisível
só até acontecer
(Clevane Pessoa, em "Sombras feitas de Luz-Edit.Plurarts)

AVISO


AVISO

Cores primárias casam-se ,
secundárias eclodem,
mil verdes :primavera...

Clevane Pessoa

Fonte:http://www.clube-de-poetas.cantodapoesia.net/clube-de-poetas-poetrix-aviso.htm

Releituras de Geraldo Neres, sobre "Partes de Mim",de Clevane






Lendo "Partes de Mim" (*)
a Clevane Pessoa de Araújo Lopes

rosa nebulosa
engaiolada no espaço:
alguém

ave sideral
mergulhada
nos sabores da alma
em medos espirais
poeira perplexa

corpo virgem
grávido
nos raios de um pequeno arco-íris

fúria

sementes

lendo: Partes de Mim (*), Clevane Pessoa de Araújo Lopes
re-leitura de José Geraldo Neres


Adagas

a Clevane Pessoa de Araújo Lopes

raro olhar
que faz sarar
o espanto de certas donzelas
ruídos da cidade
compasso
cheiro a rosa dos invisíveis portais
madrugada na alma de cada século
a história
a pedra
a brasa
bordada na pele

lendo: Partes de Mim (*), Clevane Pessoa de Araújo Lopes
re-leitura de José Geraldo Neres
26/03/2003



Chave

ínfimo
cosmos
mapa das almas,

evolução pequena
forma
traçada

irmão
nosso
à ele
transcender...


poesia: "Chave", autora: Clevane Pessoa de Araújo Lopes
re-leitura de José Geraldo Neres


lento tear
caracol de dias
o tempo arrasta a barriga
onda ardente da flauta de Pã
folhas caem: frutos de luz
o vento sopra a gestante
dança o desejo

nove mêses
uma orquídea
de botões de carne


19/10/2002

(*) Partes de Mim:livro de papel e e-book, de Clevane Pessoa de Arapújo Lopes

Publicados em :http://www.palavreiros.hpgplus.com.br/josegeraldoneres_releituras.html

Meus poemas no CD OISE



Minhas poesias no Cd OISE(Anomelivros Editora)




(I) ARREPENDIMENTO



Mais que amei, amei errado

ou amei sem saber de limites

e de impossibilidades...

Amei com a fúria dos ventos

e a ternura das brisas

nos rostos das flores:

esta, insuficiente para a sanha dos desejos,

aquela rasgou pétalas e sépalas

e abriu cálices...

Queria ter amado menos que o demais

E muito mais que o possibilitado...

Queria que os excessos de busca,

Perfumassem, de repente,

Todos os ares da angústia incandescente...

Nas grutas do desconhecido,

As estalagmites ,

Tão fantásticas ao primeiro olhar,

São de tal forma frágeis

Que se tornam poeira e barro

Para não mais voltar...
(Clevane)





(|II)Das Diferenças



Intangíveis são os fechados

Que não abrem as janelas da alma,

Portas no coração, portões de jardins,

Nem Têm sorrisos no rosto

Nem estendem as mãos



E nos olham com olhares desconfiados

Sem querer saber quem somos

Ou poderemos ser...



Tangíveis são os que sentam no colo

Expandem a aura,nem de si mesmos

Mas não dos outros,mas com todos...

Oferecem a pele,presente maior,

O cheiro,os humores,até as dores...



Uns não querem contaminar-se

Com a previsível e necessária mistura

De corpos e suores e sedes e fomes...

Mantém a distância desnecessária;

Sentam-se em tronos de veludo,

Voam acima dos demais...

Outros anseiam por beber

No mesmo copo,ávidos pelas trocas,

Comer no mesmo prato

E partilhar a vida,o filho,

O sonho,carne a carne,

Gosto a gosto

E só o que pleiteiam

É voar lado a lado

A mesma viagem...



Uns se separam

Em desencontro pleno.

Outros se unem no encontro absoluto...



Uns se separam

Em desencontro pleno.

Outros se unem no encontro absoluto...





Há quem seja espinho

E separe e fira e cause gangrna.

Há quem seja rosa

E perfume e embeleze e apazigúe...



Luto na vida

E festival perene...



Um e outro...
(Clevane)



(III)Pequeno Poema do Grande Encontro





Deixe-se

fluir

para as searas

do amor.



Confluir,refluir:doe e receba,

energize-se na luz do outro

e doure-o com o ouro

da sua própria luz.



Saiba

que você tem um manancial

de pérolas

naturais ou cultivadas

que devem ser ofertadas.

Não tema perdê-las:

voltarão ao seu self

mais lindas e multiplicadas

(uma troca intensa

e sem interrupção,

que vai da alma ao corpo,

do espírito ao coração,

abre as comportas da mente

na magia eterna em doação)...

Seu potencial

é maior

do que você pensa:

você pode mel e sal

água e terra,

sombra e luz,

vento e aroma, alimento.

Não fuja,pois, à destinação

maior do ser humano...
(Clevane)

Foi emocionante gravar esses versos,em estúdio.O organizador foi o ator e poeta Wilmar Silva.A coletânea é bem eclética.
A trilha sonora foi feita individualmente por Arnaldo Vale.
O nome é uma homenagem a Rimbaud.

Fantasias, Imaginação


Fantasias,imaginação...

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Belo Horizonte,Minas Gerais,Brasil,em 06/06/06

Universos em espirais belíssimas
ou destruidoras,quais furacões,
as fantasiasm são poderosas,
capazes de despertar lembranças
com aroma de rosas,
com versos de canções,
imagens perdidas/achadas
no turbilhão do hiato tempo-espaço...
O imaginário
cumpre qualquer fadário,
preenche todos os espaços vazios,
aquece momentos frios
com memórias mornas e aconchegantes...
As fantasias pertencem ao mundo
dos homens,são reflexos do Criador
-e nós,suas criaturas,sonhamos,
lembramos,desejamos,fantasiamos,
para suportar melhor o exílio aqui na Terra...